
Extraído da Revista Motor Show
Ano 39 – Número 440
A escassez de semicondutores, essenciais para a eletrônica que controla os carros, está reduzindo a produção. Explicamos as causas desta crise que pode minar a economia mundial
TEXTO ADAPTADO FLÁVIO SILVEIRA REPORTAGEM EMILIO DELEIDI, ROBERTO LO VECCHIO E FLÁVIO SILVEIRA

Você por acaso sabe quanto custa um semicondutor? De um a dois dólares, ou R$ 5 a R$ 10. Já um carro inteiro custa a partir de R$ 45/50 mil – só para dar ideia da proporção. No entanto, este pequeno Davi eletrônico, a base dos circuitos
integrados, está colocando o Golias de aço de joelhos: uma pulga – também no seu tamanho – com a força de um leão. Por causa deles, as linhas de produção de quase todos os fabricantes reduziram a produção, e, em muitos casos, pararam (como recentemente fi zeram, no Brasil, GM, Hyundai, VW e Toyota). Motivo: o desaparecimento dos semicondutores.
A crise dos microchips há tempos afeta as fábricas, e a consultoria AlixPartners prevê € 90 bilhões em perdas e 3,9 milhões de carros a menos produzidos em 2021. E isso está afetando trabalhadores, revendedores e consumidores. Sua gênese, porém, é um tanto misteriosa. As fábricas param porque faltam os “tijolos de inteligência” responsáveis por inúmeras funções. Mas aonde eles foram?
Como em todo bom suspense, a solução para o enigma traz reviravoltas. Com o risco de descobrir que o culpado não é apenas um e que, como em Assassinato no Expresso do Oriente, de Agatha Christie, as facadas mortais não vieram só de um lado: há razões momentâneas e estruturais. Entre as últimas, a globalização e o modo como a indústria organiza o abastecimento de seus componentes.

Mas vamos por partes, porque, para explicar o mistério, que hoje se desenvolve a nível planetário, é necessário pegar a lupa e partir de uma escala muito mais reduzida – a dos poucos milímetros da área ocupada por um semicondutor. Poucos milímetros, mas multiplicados por muitas vezes. Isso porque há vários chips a bordo de um automóvel – até 1.400, segundo Mark Wakefield, consultor da AlixPartners. E serão cada vez mais.
Quase não há função em um carro que não dependa deles: da gestão do motor ao travamento central das portas. Funcionam de modo imperceptível para quem está ao volante, que se esquece de sua existência – até descobrir que, por falta deles, terá que esperar semanas ou até meses por uma peça sobressalente ou um carro novo. O fato é que, como explica Alessandro Vitali, gerente de contas-chave (EMEA) da ZF, uma das gigantes mundiais de componentes automotivos, “se antes demorava seis meses para conseguir um microchip, hoje os prazos dobraram”.
Façamos aqui um cálculo bastante simplificado: especialistas estimam que o valor médio do silício, material-base dos condutores, é de cerca de US$ 400 em um carro a combustão, US$ 700 em um híbrido e US$ 1.000 em um elétrico. Considerando que cada chip custa no máximo US$ 2, podemos ter uma ideia de quantos são necessários para “montar” um carro. E a falta de só um deles já é sufi ciente para travar toda a linha de produção.
A MÃO DO VÍRUS
Para entender esta “fome” global de microchips, devemos dar um passo para trás e retornar a 2020. A Covid-19 deu sua contribuição, mas há também razões estruturais que ampliaram seus efeitos. Ainda no ano passado, em pleno lockdown, a paralisação de fábricas e de concessionárias e a consequente queda nas vendas levaram a uma redução nos pedidos de componentes eletrônicos pelas montadoras. Ao mesmo tempo, aumentou a demanda por eletrônicos de consumo: computadores, smartphones, impressoras, tablets, televisores e videogames – dispositivos que aqueles “forçados” a fi car em casa passaram a usar massivamente para trabalho, ensino à distância ou lazer.
Nessa situação, como qualquer outra indústria teria feito, a de semicondutores focou a produção nos setores do mercado que garantiam os maiores pedidos. Mas a recuperação inicial do setor automotivo causou confusão: no último trimestre de 2020, fabricantes pediram mais chips a seus fornecedores. E tiveram que fazer fi la. Em suma, surgiu uma discrepância grande entre a demanda por componentes eletrônicos e o fornecimento pelos fabricantes, que é impossível remediar rapidamente.
Neste contexto, a grande redução no estoque de componentes – o primeiro dos fatores estruturais – em prol de um fluxo de abastecimento flexível, que segue a tendência da produção (just in time), se por um lado tem o mérito de reduzir custos e ineficiências, por outro lado expõe a cadeia a efeitos negativos de perturbações externas (terremotos, acidentes nucleares, pandemias) que afetem a produção. Neste caso específico, sem fornecimento de microchips, a linha de produção planetária empacou.
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